Não: plantai batatas, ó geração de vapor e
de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí
passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de
uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu
tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo
a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal,
comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana?
Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos.
E eu pergunto aos economistas
políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é
forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à
infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para
produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas
comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso
vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao
cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um
mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico,
abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.
Almeida Garrett, in 'Viagens na minha Terra'
Almeida Garrett, in 'Viagens na minha Terra'
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