O Seu Nome I


Ella não sabe a luz suave e pura
Que derrama n'uma alma acostumada
A não vêr nunca a luz da madrugada
Vir raiando senão com amargura!

Não sabe a avidez com que a procura
Ver esta vista, de chorar cançada,
A ella... unica nuvem prateada,
Unica estrella d'esta noite escura!

E mil annos que leve a Providencia
A dar-me este degredo por cumprido,
Por acabada já tão longa ausencia,

Ainda n'esse instante appetecido
Será meu pensamento essa existencia...
E o seu nome, o meu ultimo gemido

II

       Oh! o seu nome
       Como eu o digo
       E me consola!
       Nem uma esmola
       Dada ao mendigo
       Morto de fome!

       N'um mar de dôres
       A mãe que afaga
       Fiel retrato
       De amante ingrato,
       Unica paga
       Dos seus amores...

       Que rota e nua,
       Tremulos passos,
       Só mostra á gente
       A innocente
       Que traz nos braços
       De rua em rua;

       Visto que o laço
       Que a prende á vida
       E só aquella
       Candida estrella
       Que achou cahida
       No seu regaço;

       (Não que lhe importe
       A ella nada...
       Que tudo escusa;
       E até accusa
       De descuidada
       Comsigo a morte!)

       Mão bemfazeja
       Se por ventura
       Encontra um dia,
       Com que alegria,
       Com que ternura,
       Ella a não beija!...

       Mas com mais quanto
       Amor te escrevo,
       Soletro e leio
       Nome de enleio!
       Nome de enlevo!
       Nome de encanto!

III

Como a agua d'um lago—toda um nivel,
Vae de circulo em circulo ondeando,
Se a andorinha a roça ao ir voando
Atraz d'algum insecto imperceptivel;

E quebrado esse espelho em mil pedaços
(Que a imagem do céo desapparece)
Em circulos concentricos parece
Tornarem-se a formar novos espaços...

Ou como d'entre as notas ineffaveis
Dos canticos do céo—todo harmonia—
Mal sôa o dôce nome de Maria,
Pasmam as multidões innumeraveis;

E de onda em onda cada vez mais larga,
De brisa em brisa cada vez mais pura,
O nome d'essa excelsa creatura
Por todo aquelle immenso mar se alarga;

E tudo quanto cerca o trono eterno
Áquella dôce voz desprende o canto,
Formando um côro universal, em quanto
Reina silencio no profundo inferno...

Assim, n'esta paixão que me devora,
Se aos labios essas syllabas me assomam,
As negras sombras da minha alma tomam
Gradualmente o explendor da aurora!

Toda a idéa má recua um passo,
Aplanam-se os dominios do futuro,
E do crystal mais transparente e puro
Se me arqueia a abobada do espaço!

Desdobra-se o passado á luz do dia,
Em valle ameno, aos olhos da memoria;
E eu acho não ser perfida, illusoria,
A fé que eu punha em certa luz que eu via...

Vejo que aquelle informe e negro monte,
Que me tapava a mim o fim da vida,
Não era mais que a natural subida
Para se dominar vasto horizonte!...

Esse horizonte és tu, pombinha brava!
Tu, cujo peito que aliás encerra
O que ha de bello e grande em céo e terra,
Só com duas conchinhas se tapava...

Mas em quanto não chego áquella altura
D'onde se avista a terra promettida,
Irei cantando, distrahindo a vida
Com essa invocação suave e pura...

Invocação de nome tão suave
Como esse olhar!... que eu, só de vêr, suspiro!
Mas... que invoco em silencio... como admiro
A luz da lua, e o olhar da ave!...

IV

       E se algum dia
       Deres abrigo
       Ao desgraçado
       Pobre mendigo
       Expatriado,
       Morto de fome,
       Dize comtigo:
       «Mais consolado
       Se elle sentia
       Lendo o meu nome!»
João de Deus, in 'Ramo de Flores'

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